Outros autores

Jorge Luís Borges

Caderno San Martín (A noite em que o velaram no Sul)

 

Com um andar lento, na posse da espera,

chego ao quarteirão e à casa e à sincera porta que procuro.

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Daniel Faria

Dos Líquidos

 

O que desconheço: a casa. O modo como a encontrei de noite

As formas das coisas que vi quando observei a transparência

O vidro no fogo sofrendo a forma que o vai quebrar

(Vi que nada do que existe é inteiro)

 

Digo-o porque mo revelaram: uma é a claridade

Do sol. Outra a claridade da lua e outra a claridade

Das estrelas. Há ainda a diferença de estrela para estrela

Na claridade. (Vi

Que tudo era igual à ressurreição dos mortos)

 

O que procurei: a claridade da morte

Ou precisando – se se pode regressar pelo mesmo

Caminho que se toma para casa

 

O que medito (na cela nocturna)

As diferenças da luz da candeia no homem

Quando desce

 

O que mais recordo: os degraus

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G. Bachelard

"A poética do espaço", 1993

 

"Se nos perguntassem qual o benefício mais precioso da casa, diríamos: ... a casa protege o sonhador; permite sonhar em paz."

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Herberto Helder 

"Poesia Toda", Prefácio, 1996

 

"Falemos de casas como quem fala da sua alma,

entre um incêndio, junto ao modelo das searas,

na paciência de vê-las erguer..."

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Rainer Maria Rilke 

Histórias do bom Deus

 

"Klara reflectia: ‘Lembro-me tão pouco da minha infância, como se entre mim e ela houvesse mil vidas. Agora, como tu ma recordas, algo me vem à lembrança. Uma noite. Apareceste de surpresa, os teus pais tinham saído para o teatro ou coisa assim. Tínhamos a casa toda cheia de luz. O meu pai aguardava um convidado, um parente, um afastado e rico parente, se bem me lembro. Devia vir de… de – não sei de onde – de longe de qualquer forma. Há duas horas que o esperávamos. As portas estavam abertas, as lâmpadas acesas, a minha mãe alisava de vez em quando a cobertura do sofá, o meu pai estava à janela. Ninguém ousava sentar-se, para não desarrumar nenhuma cadeira. Como acabaras de chegar, esperaste em nossa companhia. Nós, crianças, escutávamos à porta. E quanto mais se atrasava, mais maravilhoso se tornava esse convidado que esperávamos. Sim, até tremíamos se pudesse aparecer antes de ter atingindo esse grau de magnificência, do qual a cada minuto da sua demora mais se aproximava. Não receávamos que afinal não viesse; sabíamos com segurança: ele virá, mas demos-lhe tempo para se tornar grande e poderoso.’

De súbito, o doutor levantou a cabeça e disse com tristeza: ‘Pois o que sabemos é que não chegou. Isso também eu não esqueci.’ Klara confirmou: ‘Realmente não chegou.’ E após uma pausa: ‘Mas foi bonito, apesar de tudo!’ ‘O quê?’ ‘Bem, a expectativa, as lâmpadas todas… o silêncio… o ar festivo.’